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Origem

Da escuta à expressão

Tudo começou no natal de 2018, quando pintei meu primeiro quadro (esse aí do lado), depois de ser presenteado com um cavalete e algumas tintas. Eu já me debruçava sobre o estudo da psicologia analítica, e já entendia minimamente a teoria da expressão artística enquanto instrumento de estruturação psíquica, mas ainda não tinha nenhum conhecimento prático sobre o assunto.

Já que eu nunca havia sido apresentado para o estudo das artes e não dominava nenhuma técnica formal, segui o caminho de meu referencial teórico, e decidi mergulhar na minha própria expressão a partir do diálogo com o inconsciente, dando voz às cores, gestos e imagens que ainda não faziam sentido para mim, mas que pediam para existir. Após o ato do pintar, a obra me convidava a escrever alguns versos em seu verso, na busca pela aproximação entre a palavra e a imagem. Assim o fiz.

 

TriBáw

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À medida que fui aprofundando na prática da expressão artística, segui buscando conhecê-la cada vez mais também teoricamente, o que me levou - a partir da noção junguiana de inconsciente coletivo - a entender a própria expressão artística como uma manifestação espiritual, e isso me conduziu para os estudos da espiritualidade à luz da Psicologia Transpessoal.

Sob esse ponto de vista a individualidade humanista cede espaço para a compreensão holística decolonial, e o processo assume lugar de destaque e referência, ao passo que o resultado é destituído de sua força e poder.  Não faz sentido se preocupar com o atingir ou não do resultado previsto pelo ego se a construção simbólica provém de um lugar inacessível ao mesmo. Entendi que deve-se apenas se entregar ao processo e experienciar a vida que se manifesta através do fazer artístico. 

Durante o isolamento social causado pela COVID-19 encontrei na arte, além de um objeto de estudo, um instrumento de manutenção do bem-estar. Graças à pintura pude me manter psiquicamente estável nesse período tão truculento da história. Ora, se a arte é capaz de me ajudar, não vejo porque ela não possa ajudar também outras pessoas (Nise da Silveira já havia me ensinado muito sobre esse assunto, mas durante a pandemia pude entender na prática o que ela estava querendo dizer).

Pintei cerca de 70 telas no ano de 2020 - as quais fizeram parte do projeto "
Arte Alimenta" -, e assumi o objetivo de libertar os artistas presos dentro das pessoas, ou seja, de mostrar às pessoas que é possível se conectar com o artista que vive dentro de si. Arte não é sobre técnica, mas sobre espírito, e tenho certeza de que o mundo precisa de mais artistas. 

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Para seguir esse objetivo, me dediquei ao estudo do que há de mais simples na pintura, e criei, a partir do uso exclusivo e individual das cores primárias (em suas variações), e de traços simples e repetitivos - apesar de especialmente únicos singulares - a série TriBáw. Nela a abstração prevalece por um intencional distanciamento da razão - considerando a noção junguiana de que a razão egóica nos afasta da alma inconsciente -, e a simplicidade ganha forças.

Com esse trabalho procuro demonstrar de forma objetiva que não é preciso dominar técnicas rebuscadas para se expressar artisticamente, é preciso apenas disposição para colocar pra fora aquilo que está dentro. Todas as pessoas são capazes de se expressar, especialmente a partir da consideração de que é possível fazer arte se entregando ao processo e se desligando do resultado.

 

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Função Transcendente

O que está dentro e o que está fora de nosso trabalho? Essa provocação veio à tona em uma mentoria conduzida pela curadora Sylvia Werneck, e nos faz questionar sobre os limites (arbitrariamente estabelecidos) da arte, e, consequentemente, da vida como um todo. Simples seria dizer que o limite da vida é o período entre a inspiração primeira e expiração derradeira, e que o limite do meu trabalho é aquilo que de fato produzi. Mas minhas inquietações existenciais me levaram mais além, à transcendência dessas barreiras, e ao contato com a vida além da vida, e com a arte além da arte. O que não se conhece não deve ser desconsiderado. O que não foi concretizado existe em potencial.

A investigação dos traços simples e repetitivos em TriBáw deu origem ao trabalho denominado Função Transcendente, o qual considero embrião de minha pesquisa em escrita assêmica. Aqui começam a ser evidenciados os pontos de contato entre a pintura e a escrita. Interessante que enquanto nas experimentações iniciais os quadros me convidaram a escrever algo em suas costas, nessas pesquisas mais recentes esse convite não foi feito

Posteriormente eu compreendi que essas obras dispensavam a escrita dos versos em seus versos por já conterem em sua face aparente a pintura dos versos escritos. Ora, mas como assim? Eu não escrevi nenhuma palavra, como posso ter escrito alguma coisa?

A concepção junguiana de símbolo nos auxilia nessa questão. Carl Jung descreve o símbolo como dotado de uma função transcendente que "
resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes” (OC 8, §131). Ou seja, a construção simbólica habita uma fronteira que explora a permeabilidade do muro divisório entre o que se conhece e o que não se pode conhecer - a não ser pelo desdobramento de suas influencias. Sendo assim, ao entregar-me à liberdade da* expressão sou capaz de entrar em contato com a força criativa que ultrapassa os limites da minha individualidade. Não preciso (e nem posso) compreendê-la, apenas entregar-me a ela.

*perceba que a liberdade da expressão não é a minha liberdade, ou seja, a liberdade do ego. É imprescindível abrir mão do controle egóico para acessar a liberdade da libido inconsciente

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